O Grude e os Cacos

A Itália habituou-nos, como ninguém mais, a dar sempre a volta por cima. Perdeu a Guerra, mas, ao contrário da Alemanha e do Japão, conseguiu um armistício e mudança de campo, em vez da rendição incondicional; com a I República podre e nauseabunda, encontrou uma reestruturação partidária sem os grandes monstros dominadores da Democracia Cristãe do Eurocomunismo a protagonizar; com a crise financeira a espreitar ainda descobriu um Monti salvador, até ele se ter deixado humanamente tentar pelos cantos de sereia eleitorais; e finaliza um impasse de blocos parlamentares com o que parecia impossível e havia sido vocalmente rejeitado por líderes vários, uma coligação das principais forças, numa nova administração congraçadas. O problema é que a solução de Uniões Sagradas serve em estado de guerra com o exterior, mas falha quando a unidade nacional tem a espreitar uma fracção importante que não aceita a coalizão e se mantém como alternativa. Com uma reserva Cinco Estrelas do tipo da de Grillo, se não houver resultados excepcionais ou empenhamento inalterado, fatalmente quem fica de fora surgirá como a novidade salvadora que resta. Por isso o novo Chefe de Governo se impôs um incitamento lettal contra os desmentidos da solidez de um bloco tão pretensamente diversificado e da obtenção de bons indicadores, com prazo marcado para esbater a demagogia que sempre vai adiando a concretização das promessas com boas desculpas. Mas claro que esta ameaça sempre suspensa sobre o Executivo faz, mais do que nunca, os opositores do sistema pensarem que o tempo corre por eles. Até que um (de)grau mais na escalada seja transposto e a Esperança se mude, com armas e bagagens, para os contestatários da pecha mais abrangente - o Regime.
                                                                A Espada de Dâmocles, de Felix Auvray

Os Despojos da Saga

A interpretação minimalista dirá que quem está no Poder perde as eleições de hoje, na Europa. A via média achará que o cumprimento de sacrifícios ditados por cartilhas do exterior suscitam sismos eleitorais. Mas o retorno da Direita Islandesa ao Poder, por muito que os partidos sejam os mesmos que precipitaram o País na derrocada ultra-liberal da sua banca, traz outra lição - a de que o pequeno eleitorado que se entrincheirou contra as espoliadoras idemnizações aos investidores estrangeiros que pretendiam boas maquias sem risco, à conta dos nacionais, voltou a fortificar-se contra os que queriam lançar o País no inenarrável fosso arrasador de particularidades que é a União Europeia. Claro que cá, desde já longos anos, nem isso há a salvar, pelo que o ânimo contra os receituários impostos de fora só encontra tradução nos espasmos decorrentes das chicotadas de lá recebidas. Há, entretanto, um pormenor adicional delicioso - a facção que se apresentava como mais estrénue defensora da adesão à Europa institucional e burocratizada ostentava o nome absurdo de Futuro Radioso, clara ironia a rivalizar com os Amanhãs que Cantam da mais célebre utopia desmentida da Contemporaneidade.
                                                 Jon Siguròsson, o pioneiro da independência da Ilha

F For Fake

Em dia de aniversário do Grande Homem, é bom ver um Investigador que, sem quaisquer simpatias declaradas, desmantela outro dos mitos em torno do Estado Novo, nomeadamente da inventona dos três Fs que, segundo os detractores, lhe fariam de apoio. O Fado era detestado por Salazar e por teóricos da Situação, por amolecedor do carácter colectivo e indutor de abandonos ao Destino, quando o Poder queria inculcar o esforço ordeiro, consequente e constante. Fátima foi 11 anos anterior à instalação no Poder do Estadista de Santa Comba e, se me parece especulativo dizer, como Fernando Dacosta, que Aquele não acreditava nos milagres respectivos, claro que a movimentação das multidões não quadrava nada nas suas preferências. Restava o mito do Futebol, que, por esta entrevista, vem ser posto em termos correctos. Salazar nunca usou o Desporto como alienação, nem sequer distracção, porque não precisava disso, o seu discurso e a penetração social que ele execia eram estribados em concentração na actividade legal, honesta, tranquila e habitual, não na dispersão pelos espectáculos, pela excitação divisionista da concorrência totalitarizante para além do plano lúdico bem delimitado, ou nas doutrinas de superioridade espuriamente alicerçadas em feitos de compatritas. Se, pontualmente, honrou os que obtiveram êxitos internacionais na Competição, foi para não cair na mesquinhez de não reconhecer mérito excepcional a quem o tem, mas sem jamais cair na construção estatal de ídolos que lhe fizessem fretes de propaganda. Parece-me fundamental a comparação com o que hoje vigora, nem tanto na colagem natural aos triunfadores, mas na tal porosidade entre Política, Futebol e... Media, com abundantíssimos exemplos de transição dos que ganharam notoriedade num desses campos para o outro e por causa dessa primeira centelha de fama. Para além de inocular uma verdadeira capacidade alienante, com a transplantação do Conflito que, em altura difícil para se manter confinado à mesa de jogo partidária do Arco Constitucional, se tenta substituir, em termos de potencial mobilizador, pelo confronto clubista para além do campo, hiperpublicitado em mil e um debates para excitar o pagode.

Das Redes aos Golos

Nem me pronunciarei sobre o facto curioso de o cavaleiro andante da quixotesca ceuzada contra a maré absurda da imposição homossexual dar pelo diminutivo pouco adequado de Gigi. Quero apenas deixar expresso o repúdio total pela insensatez de tentarem impedir pelo Steua de Bucareste a contratação de quem bem queira. Se não deseja ter invertidos na equipa, está no seu pleníssimo direito, ora! Até porque não é uma equipa que tenha como entidade patronal a Comissão Europeia. Além do mais, pode perfeitamente adoptar-se uma linha de defesa das preocupações do líder do clube romeno que sublinhe o facto de que, sendo o Futebol um desporto de contacto, a utilização de atletas para o mesmo sexo virados poderia proporcionar proximidades abusivas que aos demais repugnassem, o que prefiguraria uma modalidade de acção íntima não-consensual. Um conflito de direitos, portanto, se fosse no Basquetebol, ainda passaria, mas assim... Há, no entanto, mais: a supra-mencionada predilecção pode perturbar o desempenho dos jogadores: se ficarem fascinados por colegas e adversários que se movam no campo, podem perfeitamente, sob essa excitação extasiante, ver prejudicada a concentração no esforço para levar outra água - a da equipa - ao seu moinho. E nem falo de casos declarados de batota, presumivelmente minoritários, como seria o favorecimento de algum adversário que lhes caísse mais no goto, através da abstenção do empenho em contrariá-lo. Mas o pior de tudo está nas «disposições expressas» que as altas instâncias pedem ao emblema do País dos Cárpatos, para contrariar a reputação homofóbica, trata-se de uma descarada sugestão de estabelecimento de quotas gay. Como se vê, já estivemos muito mais longe de ver a homossexualidade como obrigatória. Num único ponto parece haver sintonia com as rejeições tradicionais - os alegados perseguidores dessa orientação, através de tratos vários, queriam que os entusiastas dela vissem as estrelas. O oficialismo mentecaptamente igualizador de hoje em dia pretende somente que eles vejam uma única, pois não é outro o significado do nome da colectividade em questão.

Parada e Resposta

Uma Ministra de fazer parar o trânsito é exemplo recomendável a qualquer sistema, mesmo que nasalempinadamente se pretenda acima desses casos folclóricos. É habitual procurar prestígio com a nomeação de atletas famosos para os elencos ministeriais, veja-se Pelé à cabeça de todos. Mas quando o currículo é suficientemente grande para abranger fotos sem paninhos quentes ou menos quentes, tal como Alejandra Benitez, corre-se o risco de adeptos e opositores à Governante virem a querer consensualmente fazer-lhe com literalidade o que a outros está reservado na forma conotativa. De resto, a sombra do Zorro é capaz, com a mediação de Zeta-Jones, de transmitir a esperança numa defensora dos oprimidos de espada em riste. E, para quem veja a fotografia completa de que o Público pudicamente reproduziu apenas parte, a perspectiva da queda da máscara que ainda ontem foi à Vasco Lourenço usada contra o PR pode bem deixar de ser acusação para se transformar em desejo...

O Método do Discurso

O Presidente Cavaco é um inadaptado. Atirou-se à Presidência da República com uma concepção minimalista das funções, para marcar a diferença em relação às turras de Eanes e Soares com os chefes de governo de sinal contrário, não falando já da precipitação da reviravolta do episódico santânico de Sampaio. Acreditou, julgo que piamente, que um apelo continuado ao consenso bastaria para o gerar, ao menos quanto a si; e produzir a estabilidade que tem por fonte da confiança, motor e chave de Economias sãs. Não percebeu que é impossível a um chefe de Estado eleito por uma metade do País contra a outra ver reconhecida a sua imparcialdade pelos perdedores. Já o devia saber, desde que apoiou Soares a um segundo mandato e, desde o apoiado aos seus seguidores, toda a Esquerda viu a acção como manobra que evitasse embaraços e humilhações da derrota anunciada. Também não entendeu que avisar contra os agravamentos da contestação e da volubilidade eleiçoeira numa altura em que as pessoas desenvolvem justas animosidades contra governações cerceadoras do que lhes fora dado, além de enfeudadas ao Estrangeiro, em vez de neutral cautela só poderia ser entendido como colaboracionismo por oposições ansiosas de cavalgar a onda e à coca da oportunidadezinha de reocupar cadeiras. As palavras do Presidente pareceriam bem brandas e inócuas, noutro contexto. Neste, exalaram parcialismo demolidor, aquele que é, afinal a essência dos votos divisivos, quer para Belém, quer para S. Bento. O problema não está, como diz e pensa, em haver eleições antecipadas. Lateja, sim, em existirem eleições, pura e simplesmente.
                                                                          O Inadaptado

Abril, Água(s) Mil

Excedido em 39 anos o prazo de validade que alguma vez tenham detido, resta-lhes a idealização absurda dos que identificam a "Idade de Ouro" com a época em que aquele, tão custosamente amealhado, começou a ser derretido sem critério, apenas para, na era dos resgates draconianos, dar um pretexto ao País dos Cravas de amar uma mitificação do País dos Cravos, atracção de natureza erótica, portanto. Primeiro vieram as flores tintas do sangue dos Combatentes Africanos traídos, agora têm os frutos, restando às primeiras a função cerimonial na solenidade das exéquias do que já foi uma Nação e do que se extinguiu como nosso.

Criaturas Sem Remorso

O Presidente da Associação da Abrilice - que não da Abrilada, como se sabe um movimento patriótico de Oitoicentos - vem, com menos honestidade que o célebre criador do Monstro, demarcar-se da Criatura que concebeu, pedindo aos seus orgãos que a regenerem, quando se sabe como os partidos duma sociedade são o estrume que a tornam fértil para a sementeira da Corrupção. Dizer que eles são essenciais ao funcionamento da Democracia só pode ser entendido como a conveniência deles para proteger os infractores que atulham os bolsos à conta do quinhão de Poder que detenham. Pensá-la como um sistema límpido ideal é erguer pateticamente o que, na melhor das hipóteses, seria a Fantasia a expediente de desculpação, pecha em que não caiu o sábio arrependido que, contudo, meteu os pés em razão do solitário amor à Ciência e não daquele de bando dirigido a carreiras próprias, como o fizeram os movimentos de capitães e aproximados oficiais do Quadro que estiveram no embrião do MFA.

O Poder do Aspirador

A Senhora Merkel está em período pré-eleitoral e a promessa maior que pode dar a uns Compatriotas materialmente satisfeitos é a revanchista ideia de ganhar Poder à custa da limitação do dos outros europeus, uma obsessão que, desde Guilherme II ao Tio Adolfo tem dominado as aspirações daquele auto-admirativo Povo. Não sendo por campanha, essa época de Primeiro de Abril alargado aos factos futuros, não se compreenderia a sentença da Chanceler, pois ninguém pode dar o que não tem e a Soberania foi há muito alienada, quer no que respeita às moedas próprias, quer aos controlos de fronteiras, quer ainda ao emprego militar, este por causa da platónica concertação, mas, muito mais, da debilidade orçamental e da ilegalização da Guerra, de modo a pouco sobejar. Aliás, inclusivamente no sentido de capacidade para garantir o Bem Comum, a autonomia em que nos tornámos já transferiu competências em cascata para os sequazes bruxelenses e bruxoleanos do Dr. Barroso. O que a Dama quer que prescindamos é da própria ficção que vai sendo a dignidade remanescente. Porque, se pretendermos realmente encontrar um derradeiro resto de Soberania, ele está na Dívida e essa, quer os Gregos, quer nós, quer todo o  pelotdos resgatados estamos prontíssimos a ceder(-lhe).

                      Mãos Dando, Recebendo, Lutando e Guardando, de Sibel Ergener

A Lição do Derby

Quando o triunfador de outras épocas, hoje desprovido de asas, não se enxergando, insiste em ocupar a Ponte do Sucesso, pela falta de humildade volta as costas ao seu anjo da guarda, a quem mais não resta que a tentação suicidária dos desocupados...
                            O Mal do País (Saudades do Lar), de Magritte

O Mal dos Delírios

É inevitável a procissão de desconfianças quanto à responsabilidade de uns rapazes obscuros importados da Tchetchénia, mortos ou quase, pelo atentado de Boston. A nossa inconsciência, tanto como o nosso Inconsciente, não suportam ver na prefiguração do Mal tão raquíticas formas. Quereríamos ou um grupo poderoso que desencadeasse uma ameaça permanente, ou uma boa conspiração que permitisse anatematizar com o fundamento imediato da repugnância os poderes instituídos, com o auxílio de um assassínio alarmantemente cego. Mas a confusão da Maldade com a Grandeza é um sintoma da loucura e, precisamente, uma escapatória de plausibilidade para a explicação que do triste facto nos dão. Os loucos julgando-se Napoleão foram erguidos a ícones da alienação. No caso vertente, um havia que até se chamava Tamerlão, o equivalente no Cáucaso à megalomania de Bonaparte. Pode, perfeitamente, ter vingado nos dois jovens a ânsia de promoção por um acto cuja notoriedade, ainda que maligna, os transportasse ao ilusório sobredimensionamento que decidir a morte de outros dará. Claro que o significado da palavra Tamerlão, Ferro Coxo, indica a falência do grandioso nessa fria dureza. Mas isso são contas dum rosário outro que o das ampliações que nós e eles propendemos a fazer do Mau. E é nessa linha que as declarações do Tio dos terroristas artesanais - mas mortíferos - ganha alguma importância: dizer que fizeram o que terão feito por serem uns perdedores invejosos do sucesso de outros, se reduz às devidas proporções o acto criminoso e despromove a legitimação por um ideal, ergue artificiosamente a uns píncaros imerecidos um sistema concorrencial odioso da sociedade de um Sonho exclusivamente Americano, em que os infelizes não têm lugar. O que, se não desculpa assassínios, pode perigosamente conduzir a simpatias tão injustas como desqualificadoras.
                                                     Vencedores e Perdedores, de Simon Shegelmann

Os Povos e os Reis

Assisti ontem, no Museu do Mar, em Cascais, a uma notável conferência de Margarida Magalhães Ramalho, sobre a obra fotográfica e artística do Rei D. Carlos, de Quem se inaugurou uma pequena exposição de trabalhos inéditos. O prato forte foi o virtuosismo cultural do Martirizado Monarca, onde se confrontou a suspeita, levantada pelos seus inimigos, de serem as aguarelas devidas mais ao seu Mestre Espanhol Enrique Casanova com a humilde ironia do visado dizendo-Se satisfeito com a confusão do seu com o talento de um Pintor que admirava e com o facto, hoje de pacífica aceitação, de ter a Sua produção maior qualidade do que a do respectivo iniciador. Mas mais, o reconhecimento por parte de gente hostil como o primeiro Fialho ou Rafael Bordalo Pinheiro e a recordação do que era a preparação do Príncipe Herdeiro, com dez horas de estudos diários e sem férias, dose cavalar pouco compatível com a disponibilidade do comum dos mortais de hoje e rotunda infirmação da vida regalada que a canalha tenta sempre assacar às Cabeças Coroadas para acirrar os ânimos do que de pior haja no vulgo. Mas sabe-se como as paixões pela Educação secam subitamente quando é abordada no respeitante à Coroa.
Depois, as Admiráveis Mulheres daquela Real Família: a Rainha D. Maria Pia, atirando-se ao mar para salvar o Filho primogénito, aí pelos oito anos Dele, com o mais novito D. Afonso pela mão, para o não perder. E D. Amélia, num impulso semelhante, para socorrer um barqueiro acidentado debaixo de um bote que se virara. Mas foi Material Humano Deste que a República entendeu dever pôr a andar, decerto para não que não destoasse da mediocridade que ascendera. O primeiro dos eventos narrados deu-se no Mexilhoeiro, quatro vezes pintado pelo Soberano homenageado, aqui reproduzido na versão de 1885, e em que numa nova visão trabalhava quando o crime do Terreiro do Paço O interrompeu. O nome diz muito: mais uma vez, vitimados pela «choldra» que é a nossa vida pública e publicada, quem se lixa são o Ceptro e... o Mexilhão.

Proteccionismo Maligno

A Arábia tem destas coisas. Mas esquecemos frequentemente a peculiar gestão de equilíbrios que fomenta. Se, homens e Mulheres do Ocidente, nos insurgimos contra o hábito de obrigar o Belo Sexo ao véu, frequentemente esquecemos que no hemisfério masculino uma paralela preocupação de esconder a atractividade se exprime na obrigação de deixar crescer a barba. Poderemos eternamente clamar contra a totalitária monomania de ocultação do Belo, que, de lá, responderão ser a preservação dele a única maneira digna de sacralizar e guardar tesouros desse teor. Agora, com medidas depuradoras como a expulsão das fontes de tentação, se as mais fanáticas feministas poderão ficar satisfeitas por verem no banimento em exame alguma igualização, para mais com o sacrifício de um produto que desdenham, a imensa Mole mais moderada perceberá que fica a perder ainda mais, ao ver afastados, desta forma arbitrária, certos huuuum focos de comoção. A masculinidade dos decisores é que se arrastará pelas ruas da amargura, uma vez forçados a apreciar o grau de perfeição de outros machos...
E, perdoe-se-me a vaidade, já que mitigada por uma preocupação legítima de cidadania; se a moda pega, ao que oiço, ainda fico em risco de me transformar num sem-pátria, esse heimatlos que a cartilha das Nações Unidas protestou banir. Pfffffffff!
                                                             O Projeccionista, de Carol Anne McGowan

Debaixo D`olho

Dizem que o Poder é o melhor afrodisíaco que há e imagino que o mediático não seja excepção à regra. Mas esse apelo deveria cingir-se à tradicional acção directa e não aos virtuais sucedâneos informáticos que lhe fazem as vezes neste universo maravilhoso a que fomos condenados. Assim, esta nova de um burlão que se finge célebre para conseguir que uma quantidade de Mulheres se dispam frente à webcam deixa-me perdido na interpretação: se o strip é um excitante e a fama outro, não se estará a transformar a vazão da sexualidade num pingpong viciado e em que se não marca o ponto? Este prodígio tecnológico, ao relegar o prazer para o visionamento, não se transformou apenas no fantasma de muito pai de menina adolescente a quem, para este e aquele sentidos o quarto deixou de confinar, subverteu a plenitude do climax, rumo ao enganoso ludíbrio da distância que, fingindo infirmá-la, mais não faz do que sublinhar a solidão dos intérpretes.
                                                           O denominado Telefone Afrodisiaco, de Dali

A Pista Lusa

Depois de o drama se haver tornado irremediável, resta assestar as setas da irreverência a aspectos bizarros das investigações subsequentes. Ao apurarem terem as bombas de Boston tido como base panelas de pressão e encarando a plausível hipótese de serem um protesto desbragado contra os impostos cujo pagamento chegava ao fim do respectivo prazo, as autoridades dos EUA podem bem virar-se para o nosso País. De facto, em que outro local é que se dá como resposta a uma carga fiscal desmesurada uma utilização menos ortodoxa das panelas? Em Portugal, onde a Arte de Joana Vasconcelos, à base dos acessórios de cozinha, tem atraído à Ajuda visitantes já em número de 20.000, presumivelmente para se distraírem da avidez da máquina tributária e dos que a comandam. Distrair, disse eu? Qual! Vai ser uma das raríssimas excepções às borlas facultadas ao Público, amanhã, dia 18, no âmbito da comemoração do Dia dos Sítios e Museus, o que só condiz com a sofreguidão das Finanças.
Mas voltemos ao nosso tema: com a justa raiva que os agentes e observantes da Lei devem ir desenvolvendo contra os assassinos da Maratona, a imputação de responsabilidades com o auxílio do nosso exemplo poderia trazer um ganho adicional - o de naqueles descarregar o indignado insulto do calão português baseado na alusão aos fazedores de panelas e, sob o império do politicamente correcto, pela extensão qualificativa, tratar de maneira menos discriminatória os cidadãos-gay...

Genealogia do Terror

Para quem cresceu no convívio com a horrorosa recordação de um atentado contra atletas, os Israelitas Olímpicos de Munique, em 1972, as bombas de ontem na recta final da famosa Maratona de Boston são mais um sintoma da decadência face aos Antigos que, como os Helenos, estabeleciam tréguas nos conflitos para permitirem a celebração dos Jogos. Claro que a dimensão é completamente diversa da do 11 de Setembro, mas as reacções são iguaizinhas: o discurso do Presidente Obama parecia decalcado do do antecessor Bush e a histeria da multidão equiparável à do atentado que mudou as nossas vidas. Se houve o cuidado de não antecipar atribuições de autorias, presumivelmente para não terem destino semelhante ao do Partido Popular espanhol que foi ruado ao imputar as explosões nos transportes públicos de Madrid à ETA, em vez de aos islâmicos radicais, um Congressista do Massachussets, Bill Keating, veio exagerar a sofisticação num registo excessivo que só a existência de mortos afasta do folclore da célebre Insurreição dos Pregos comunicada ao nosso País pelo então Ministro Ângelo Correia. É certo que os engenhos eram rudimentares, pelo que, ser me ousasse adivinho, o meu nariz apontaria para um dos numerosos grupúsculos anarquistas que brotam daquela sociedade. E se lição internacionalizante há a tirar, é a de que deixar, por exemplo, os Norte-Coreanos chegarem à capacidade de produção de armas atómicas pode reavivar outro receio genericamente partilhado na minha adolescência, o da célebre dirty bomb que dispensasse mísseis ou bombardeiros de longo raio de acção. Não sei se alguma vez saberemos a quem se deve esta triste proeza, no caso de não ser reivindicada. Mas haverá decerto quem venha a ser punido. O sistema mental Norte-Americano precisa disso como pão para a boca e, caso não encontre culpados, encontrará bodes expiatórios como alvo de Justiça sem lisura ou garantias, à maneira dos julgamentos dos bombistas do célebre Haymarket Riot de Chicago, em finais do Século XIX. Esta falta de escrúpulo, se os despromove, garante-lhes, por outro lado, a vitalidade que a Europa deixou escapar. O certo é que a triste legenda FINISH, na meta da prova-rainha do Atletismo ganhou o macabro significado do término do Desporto como alívio da opressiva depressão do nosso quotidiano.

Presença de Espírito

...e não em espírito, o que me sugere a gestão das reacções ao retoque governativo, pelo Dr. Portas. Só não consigo perceber é se a subtil mas ribombante ausência da posse dos novos Colegas, que deixou agastado o P-M - ao ponto de cair numa nota cujo laconismo e generalização não disfarçam a amargura - é um expediente para agradar aos seus presididos do PP, visando mostrar desagrado com a estreiteza das alterações sem embarcar na reivindicação do leme da Econonia que, à boca pequena, por lá se vai empreendendo, ou se pretende, realmente, forçar o PSD a negociar concessões maiores que a cabeça da Bette Noire caída. Penso que o Dirigente Centro-Popular, estando onde quer, por gosto como por fé no que no lugar pode conseguir para o País, pode juntar às Necessidades uma suplementar: a de não desagradar aos seus gregos ou aos parceiros troianos, porque, quer pela extensão da crise do Económico ao Político, quer pela completa sujeição à hegemonia Laranja, o resultado para o seu emblema seria, previsivelmente, o de os peixes maiores devorarem os mais pequenos...
                                                       Coligação do Arco-Íris, de Geraud Stanton

A Metáfora Viva

Ontem, dei comigo o dia todo a voltar mentalmente ao Grande Jan Sobieski, que derrotou os Turcos às portas de Viena e lhes deteve o avanço até aí por parar. Por que me terá ocorrido tão vetusta e obsessiva lembrança? Pensei precisar de um psicólogo, até que, por carência de bago e de(ssa) fé, me analisei e aprofundei o tema. E vi que a arma da vitória, o sabre do grande vencedor tinha, no punho, uma Águia. Está tudo ligado, desde as 11 daquela manhã ...
Viva a Metáfora!

Virar o Jogo?

Não esperando nada de bom de eleições, dificilmente o poderia aguardar duma remodelação, que desconfio sempre corporizar uma gralha, truncando o vocábulo certo que seria remodulação. Mas não quero ser ingrato para com uma consequência do arrancamento das mais notórias ervas daninhas do Governo. Na parte de novidade no time que nos liquida, é-me impossível opinar sobre o novo Ministro, por ser a primeira vez que oiço falar dele. Diria que, em tese, é bom ver alguém Maduro na condução dos negócios públicos, quando, até agora, eles vêm sendo determinados por gente comprovadamente verdinha para o efeito. Mas as homonímias provenientes da Venezuela não tranquilizam quanto à correspondência do nome à coisa. E há sempre a temer o arrastamento geral para a podridão. Como todos os adeptos ferrenhos, porém, lá reservo um niquito de esperança na substituição que possa vir a inverter o resultado desfavorável. Até que o benefício da dúvida venha a ser desmentido pelo prejuízo da certeza.
                                                     Maduro, de Jacqui Brommel

Palco e Patíbulo

Não aprecio a Dr-ª Manuela Ferreira Leite, pelo que apenas comentarei o diagnóstico que faz, abstraindo, o quanto possa, da Autora. Dizer que o Executivo executor da nossa autonomia «teatraliza» não me repugna, mas só se entendermos o termo como uma empolação cabotina, que não como a arte de compartilhar um alcance espiritual maior através da vida própria conferida pelo desempenho dum papel. Os governinhos que Portugal tem sofrido demitiram-se da missão que lhes competia, ao transmitir às Pessoas a necessidade de viver acima das suas possibilidades, como nos anos de desperdício que antecederam, ou na urgência de continuar abaixo delas, no caso vertente. É que uma e outra das atitudes são obediência cega ao ponto errático que, do Exterior, por conveniências diversas das que eram, fundamentalmente, as nossas, mandava e manda para que às suas determinações nos conformemos. O empobrecimento programático só poderia fazer e trazer sentido caso nos permitisse uma medida de menor dependência. Ao injectá-lo como soro da submissão mais extremada, estamos a prosseguir até ao paroxismo na via do tal hara-kiri colectivo de que a Senhora também falou e que evidencia uma total consistência com os cortes anunciados com a imprecisão e a desumanidade agregadas.
                                  Três Actores em Busca de Uma Peça, de Kaitie Kuhlman

O Futuro Radioso

Depois do execrado Relvas dizer que se sentia sem força anímica, vêm os oposicionistas ironizar com equivalente estado no tocante ao Governo em geral, por o não substituir de imediato. Faz sentido, sendo o demissionário a Alma Danada do elenco, o esvaziamento do fôlego podia ser visto como factor extensivo à equipa inteira, embora a exclusão de uma vitalidade maligna devesse ser dada como positiva.
Há muito que a incapacidade de conduzir o País não me surpreende, mas a mediocridade das alternativas externas e cá dentro deixaram de me prover ao menos com o consolo da razão do meu desgosto permanente com a coisa pública, ao ponto de já me deprimir até o impulso de comentá-la. O mais provável é o Mal estar tão entranhado em nós próprios que a própria esgrima dos pontos de vista enforme somente um reflexo pouco cintilante dessa manifestação maior em que nos tornámos. Hoje acordei assim, lembrando-me de Julie Zenatti e uma canção em que se demonstra que há quem tenha perspectivas de prosperidade cada vez mais prometedoras...

Que Se Vão da Morte Libertando...

Thatcher adiantara o fim pela dolorosa queda na Demência e eliminou-lhe a relevância pelo gigantismo histórico do legado. Não gosto do Liberalismo de muitas das suas concepções, apesar de o Dela haver sido mitigado pela extensão a uma imensidão de pequenos agentes, permitindo-lhes eximir-se aos monopólios e grades dos grandes grupos. Mas deve-se-Lhe muito mais: reabilitou, mesmo com recursos minguados, a efectividade da Nação, na defesa duns restos do Império no Atlântico Sul, no combate ao terrorismo e na vitória final contra a ameaça Comunista e Soviética, três preocupações comuns a Salazar. Também não se inclinou perante as eurocracias uniformizadoras, sublinhou a independência alicerçada na disciplina orçamental e quebrou a espinha aos dirigentes mineiros de Scargill, que tinham procurado raptar o Partido Trabalhista e dominar mafiosamente as instituições, pervertendo o que deve ser a nobre pugna sectorial do Sindicalismo e que foram remetidos, no final, para um grupúsculo sem influência. O Ocidente deve muito à Sua Memória. Mas mais o Reino Unido. O Acaso, como cantava Aznavour, é curioso: a passagem que empreendeu neste mundo terminou pouco depois de um referendo haver mostrado a razão que teve nas Falklands. E a própria consideração de um Funeral Nacional Completo, prontamente afastada pela Família para evitar embaraços políticos, atesta a grandesa inusitada - além de Monarcas Reinantes, só Nelson, Wellington e Churchill o mereceram. Diz-me com quem andas...

As Despesas da Festa

O Primeiro-Ministro é renomado por, quanto ao caos financeiro do País, ter um problema de comunicação, pelo que não espanta que a específica de ontem evidenciasse essa enfermidade. Isto porque era acentuada pelo ressabiamento contra a decisão do Tribunal que não lhe deixara, via Doutor Gaspar, sugar a dinheirama onde lhe apetecia. Claro que se tem de dar todos os descontos ao mau perdedor, mas é evidente que estava avisadíssimo e, mesmo assim, decidiu correr o risco. O TC bem tinha avisado, no ano transacto, que a vilania sonegadora de direitos adquiridos era inconsstitucional, mas que, atendendo à especialidade da situação, excepcionalmente, deixava passar. Claro que duas excepções seguidas, em cómoda fila indiana, deixam de o ser, para passarem a ser um esboço de regra. Depois, foi o ar fúnebre da visitinha a Cavaco, presumivelmente para se queixarem de que, assim, não tinham condições para governar. Ignoro o que terão ouvido lá dentro, mas a declaração pública do Presidente quanto à legitimidade e necessária continuidade do governo é uma forma polida de dizer que, uma vez que se tinham metido nisto, tinham a obrigação de permanecer e encontrar alternativas. No resto, dizer que vão acatar o acordão dos Conselheiros não apresenta novidade alguma, pois não era uma questão de opção. Quanto ao que aí vem, claro que a redução de Despesa seria o caminho, desde sempre apontado pelas cabeças mais avisadas. Mas temo que as incidências dela não venham a ser muito criteriosas. Começa por referir-se à Saúde, precisamente o domínio em que até o Sr. Cameron, no Reino Unido, garantiu programaticamente ser a zona a não cortar. E na Segurança Social, depende, mas temo que os mais desprotegidos voltem a pagar a fava, quando há tanto desperdício obsceno e, até, bem-intencionado mas superfluo, como certos luxos do legado da Educação Guterrista...
                                                              O Amolador de Facas, de Goya

Cortes & Costuras

Lá chegou a decisão. Como um tribunal, qualquer que seja o seu nível, é uma realidade não-substantiva, por muito que se ficcione como orgão duma Soberania extinta, parte do espectro partidário que usurpa a voz do País Real vai passar a recriminar a Constituição, enquanto que a outra continuará a vilipendiar o Orçamento. Eu, que me tento distanciar, sou obrigado a dizer mal de ambos. Cá em casa não há funcionários públicos, mas parecia mais que evidente que deixar uma classe inteira a pagar o dobro porque tivera o azar de padecer de um patrão medíocre e explorador, com todas as facas e queijos na mão, até a do capote do interesse geral, não parecia muito saudável. Já se sabe, tem de se fazer sacrifícios, porque o Regime que se alicerçou na demagogia falaciosa de trazer o fim deles foi forçado a deixar cair a máscara. Mas nunca será salvaguardada a proporcionalidade dos ditos enquanto se for à bolsa de inocentes sem castigar os culpados. Só uma violentíssima confiscação da totalidade dos bens e a concomitante condenação a trabalhos forçados perpétuos de todos os que tiveram responsabilidades governativas no descalabro financeiro dos últimos anos poderia legitimar a imposição de restrições menores àqueles que não as tiveram. Como isso é do domínio da fantasia, à imagem da verdadeira Justiça terrena, afinal, há que nos cingirmos ao que é realista - uma ruptura constitucional que não permita a continuação dos cúmplices da derrocada na condução do que se pretende seja uma emenda dela. Os trunfos do sistema esgotaram-se, o que eles pretenderiam edificar não tardará a ruir.
                                                       O Castelo de Cartas, de Chardin

Contra-Corrente

Nestes tempos agitados, convém relembrar que há Relvas a que se deve (desejar) tudo de bom: a do Estádio da Luz, ontem, não ofereceu tão mau espectáculo e, se mais provas fossem necessárias, teríamos Alexandra Lawn, que nos dá música comme il faut e, desde que abandonou os Ra Ra Riot, ao contrário de homonímias de cá, já não suscita motins...

No País dos Doutores

A primeira constatação que urge empreender, depois de se ter verificado a concessão abusiva no Affaire Relvas é a de, nas Universidades como nos Bancos, os dias dos créditos fáceis terem chegado ao fim. No resto, temos a mesquinha adoração do canudo que subsiste neste Portugal tão (des)integrado: ao contrário das áreas anglo-saxónicas, em que não é raro políticos importantes terem cursos diversos dos do diploma da praxe, por cá o tratamentozinho doutoral, até aos licenciados, continua a ser a pedra angular do caminho para o Poder. Se a contrapartida popular existia, esgotava-se no reconhecimento de que até «um burro carregado de livros é um Doutor», mas essa pilhéria, remetendo o Saber para as aparências, pode bem ter influído nos espíritos de políticos contemporâneos que, tendo-se por espertalhões, terão achado correcto acrescentar um ponto e dispensar-se também da carga livresca, magicando em que a certificação académica mais não é que uma atribuição Honoris Causa a percursos em que a honra se ache um tanto divorciada dos factos. Já outras Civilizações, por exóticas que sejam, deixam bem claro que o aparato não influi na substância. Como o provérbio da imagem.

Estertor na Relva

Pronto, lá se assumiu a morte anunciada, mas compete destrinçar a qualidade de duas teimosias: o Primeiro-Ministro tem muitos defeitos, mas no couraçar-se, mais do que a conta, na defesa do seu colaborador de longa data, ainda há alguma sombra de grandeza, por muito mal empregada que ela haja sido. Mas a do demissionário Relvas, entrincheirado até à última na inexistência de condenações ou avaliações oficiais negativas, pouco menos é que miserável. A sua conferência de imprensa foi mais desgostante ainda. Ao tentar expor algo de bom que no seu desempenho tivesse levado a cabo e não encontrando melhor do que deter-se em estatutos de liquidador da RTP, ou de demolidor à maneira jacobina, das autonomias municipais, quase dava dó, se não se sobrepusesse o nojo. Porém, compaixão mereceu decerto o seu grito para os militantes do próprio partido, falando nos três anos em que fora o primeiro dos peões de brega de PPC, na conquista da liderança e na tomada do Poder, como que a implorar aos seus para, ao menos eles, gostarem dele.
E o Dr. Passos? Se pensa livrar-se de um incómodo permanente, está redondamente enganado. Deixando sair esta diversão permanente que atraía todas as animosidades, fica privado do seu airbag salvador e, doravante, concitará as críticas e escrutínios que a presença da sua abominada eminence grise desviava. A prazo, está condenado e talvez mais curto do que se prevê.
Uma última palavra para o arrancado ao Executivo: não foi a má imprensa que também teve que o perdeu, mas a notoriedade dos seus defeitos a gerá-la e multiplicá-la. Claro que olhando para o que parece ter sido o factor instrumental do seu despedimento, pode pensar na injustiça comparativa de outras batotas académicas. Mas a dura realidade mostra que nem é Sócrates quem quer.

O Carimbo da Impotência

As metáforas dos políticos continuam a ser o caos de sempre. Agora, Seguro deu em tentar cativar a frígida Troika dizendo que Portugal «está num labirinto», quando o óbvio seria declará-lo num beco sem saída, porquanto no primeiro ainda se procura, com esperança, uma porta de evacuação salvadora e, presentemente, o abatimento e desespero gerais não consentem sequer a ideação dela. Claro que isso só teria importância se o destinatário o levasse a sério. Eu disse destinatário? Sim, porque esse não é a tal entidade estrangeira impositiva a quem o Secretário-Geral Rosa de dois em dois meses escreve, mas o Eleitorado, a quem tenta, provar que... dá cartas. O conteúdo é indigente, não só porque todas as soluções a que alude se resumem a pedidos de condições mais suaves para a escravatura que não contesta, como por repousar com desenfreada ênfase nas generalidades do Crescimento que resultaram com o Camarada Hollande, mas só antes de a governação e os puxões de orelhas germânicos ulteriores o terem resumido à insignificância desprezada e detestada que hoje é. A sua versão lusa, como ele proveniente do aparelho partidário, se não chega à detestação, é porque não encontra quem lhe ligue meia. O selo deste regime - e não só nas missivas para votante entreter - é o da obediência cega aos funcionários internacionais que nos conduzem para o matadouro. O remetente deste correio surrealista só se distingue dos que lá estão pelo volume da choraminguice.
                                                            Labirinto, de Leonora Carrington

A Ponta do Véu

A Ministra da Justiça fala na dimensão duma fraude relacionada com Médicos e Farmácias no Serviço Nacional de Saúde, mas não adianta mais pormenores, pelo que qualquer reflexão quanto ao tema terá de enveredar por lateralidades. É evidente que é uma das funções do Estado reprimir infracções, mas terá de haver alguns cuidados, numa época em que as sucessivas restrições de direitos e encarecimentos de acessos geram nos espíritos de uma mole imensa de Compatriotas nossos a noção de que agir à margem da Lei é uma modalidade de legítima defesa. De igual forma convirá que se distingam esquemas mafiosos com a mira dos lucros egoístas e evasões ávidas de irregularidades com o objectivo de facilitar a vida a tanto utente que a vê tremendamente difícil, muito pelas últimas más acções governamentais dos derradeiros anos. Seja como for, mesmo com o combate equilibrado que se recomenda, haverá sempre um efeito perverso,  o da erosão da confiança em duas das poucas profissões que ainda dela generalizadamente desfrutavam, as dos Clínicos e dos herdeiros dos Boticários. E esse preço é tanto mais alto quanto, sendo das derradeiras actividades credoras de respeito quase universal, a imagem do seu abandalhamento pode levar à ruína de um dos raros pilares que restam a esta comunidade em desmoronamento. Por fim, um outro alerta: para um sistema político que encontrou a sua base maior de legitimação nas edifiacações conexas com o Estado Social, continuar a diminuir o âmbito ou o volume das benesses dele pode levar a confundir uma fraude no SNS com a qualificação dele como fraude. O que faria a Senhora Ministra passar por Ministra da Injustiça.
                                                                   O Farmacêutico, de Roy Wallace

De Dentro Para Fora

Quantos casos não haverá de impossibilidades semelhantes a esta? Mas se o Direito de Resistência é inalienável, com o Estado abjecto a que se chegou, ele não deve ser procurado na Constituição, mas à Constituição, como melhor quadra no exemplo da Restauração, em função das exacções que tornavam flagrantemente ilegítima a titulariedade do Poder. Que não se diga que a Representação Paralamentar colmata as essências tirânicas das imposições fiscais abusivas, pois sob a opressão dos partidos que escamoteiam a defesa real dos povos seus constituintes, ao pleitearem nominalmente por apenas parte deles e, de facto, pelas camarilhas que rodeiam as lideranças, estamos perante uma agravante em vez de em face de uma mitigação. Urge restaurar de novo, sim, mas já não apenas a independência nacional, há que modificar radicalmente a forma do Estado e a do Regime, as quais, mais do que nunca, estão intrinsecamente ligadas àquela.
                                                      Discussão Sobre a Constituição, de Daumier

A Nu... vidade

Há coisas que não percebo. Por que carga de água, mesmo considerando a pluralidade de bátegas em curso, é que uma alegada fotografia da Chanceler Merkel como Deus a pôs no Mundo há-de chamar tanta atenção? Não quero saber se é peta abrilina, coisa a que estou habituado tanto a 1 como lá mais para a frente. Menos me importa conhecer se a dominatrix da Europa será ou não a retratada, pois só nessa alheia linha de apelos posso perceber o interesse duma multidão de submissos pelo desnudamento dela. Assim como estou para saber o porquê da derrogação das regras de exposição do corpo nas redes sociais. Será que nem a consideram um ser humano? Prefiro olhar para a nutrição de outras medidas: mitigadas as restrições da Quaresma e da Semana Santa, mau grado o patrocinador da fotografia que nos desafia a optar por hot dogs vegetarianos, parece-me imperioso sublinhar que não nos devemos deter nos bikinis/alfaces de Jayde Nicole e da Amiga, mas dar à carne o papel alimentar que merece.