Da blogosfera de qualidade

O nosso caríssimo confrade e amigo Marcos, veterano bloguista da velha guarda, acaba de abrir um espaço histórico-cultural, na blogosfera portuguesa, para falar de uma matéria em que é um dos maiores especialistas mundiais: Salazar e Maurras, de Marcos Pinho de Escobar.

Os escritores de 14


Os números especiais da revista “Le Figaro” são habitualmente de elevada qualidade e interesse. O mais recente não foge a esta regra e tem por tema os escritores da Primeira Guerra Mundial. É uma edição estupenda, onde encontramos Jünger, Céline, Péguy, Cendrars, Barrès, Apollinaire, Giono, Proust, Bernanos, Rolland, Châteaubriant, Genevoix, Cocteau, Kipling, Chesterton, Drieu La Rochelle, Remarque, Kessel, Hemingway, D’Annunzio, entre outros. A não perder!

Schoendoerffer, o eterno soldado

No dia 14 de Março de 2012, com 83 anos, deixava o mundo dos vivos um dos maiores nomes do cinema francês. Realizador, documentarista, argumentista, escritor, repórter fotográfico, viveu e sentiu a guerra e transmitiu-a como poucos. Esta é uma justa e merecida homenagem a quem nunca esqueceu aqueles que cumpriram o seu dever.



Nascido em 1928 numa família de origem alsaciana, Pierre Schoendoerffer cresceu a ler os grandes romances de aventuras. Com dezanove anos foi marinheiro e esteve embarcado. Quando regressa a Paris sente a atracção pelo cinema, mas este é um mundo onde não é fácil entrar.
Em 1951, alista-se e segue para a Indochina como ‘cameraman’ dos serviços cinematográficos militares franceses e acompanha os seus camaradas de câmara em punho, filmando operações em plena selva. A 18 de Março de 1954 salta de pára-quedas sobre Dien Bien Phu para registar a batalha. É feito prisioneiro e passa vários meses num campo do Viet Minh, as bobines são-lhe confiscadas e nunca as conseguiria recuperar. Sobre essa experiência, da qual raramente falava, afirmou: “Como prisioneiro fui ao fundo da natureza humana”.
A sua experiência directa vai ter uma influência fundamental na forma como transmite a guerra nos seus romances ou como a projecta no grande ecrã, revolucionando o modo de a filmar.

Obra
Schoendoerffer torna-se depois repórter fotográfico de guerra e os seus trabalhos são publicados em grandes revistas como “Paris-Match”, “Time”, ou “Life”. Mas o cinema continua a ser a sua paixão. Em 1956 co-realiza, com Jacques Dupont, o documentário “La Passe du Diable”, com argumento de Joseph Kessel. É o início de uma carreira onde assina cerca de uma vintena de obras, incluindo longas e curtas-metragens e documentários. Em 1967 ganha o Óscar da Academia com “La Section Anderson”, um documentário que filmou acompanhando um pelotão norte-americano na Guerra do Vietname, em 1966, durante o pico dos combates.
Torna-se também escritor e é o autor de meia dúzia de romances, quase todos passados ao cinema. O primeiro, de 1963, “La 317ème section”, será adaptado por ele próprio ao cinema e torna-se um dos seus filmes mais conhecidos. Outro dos seus romances marcantes foi “Le Crabe-Tambour”, escrito em 1976, com o qual venceu o grande prémio da Academia Francesa, também passado ao cinema um ano depois.


“La 317ème section”
Considerado pelo realizador Costa-Gravas – que enquanto presidente da Cinemateca francesa o mandou restaurar para ser projectado no Festival de Cannes em 2010 – como “o melhor filme francês sobre a guerra”, torna-se um testemunho inigualável da Guerra da Indochina.
A história centra-se num episódio dos últimos dias da guerra, a seguir à vitória dos comunistas vietnamitas em Dien Bien Phu. O sub-tenente Torrens (Jacques Perrin) e o ajudante Willsdorff (Bruno Cremer) têm como missão liderar a retirada de um pelotão composto por soldados laocianos pelo meio da selva num percurso de 150 km. Vai ser uma caminhada pelo Inferno, enfrentando emboscadas, o clima, os mosquitos, etc. Neste ambiente de desespero e morte, é a própria natureza humana que está em causa. A hierarquia, a camaradagem e, em especial, a relação entre o veterano Willdorff e o jovem Torrens.
Apesar de se tratar de uma ficção, Schoendoerffer baseia-se na sua experiência pessoal e nos testemunhos da altura. Durante a rodagem, recusa o conforto e impõe aos actores um estilo de vida militar de modo a atingir maior realismo. O resultado é um quase-documentário que filma a guerra e os seus protagonistas sem falsos heroísmos.

La 317ème Section (1965)

“Le Crabe-Tambour”
Neste filme de 1977, Schoendoerffer vai de novo centrar-se na natureza humana, nas interrogações da vida e tudo, claro, num ambiente militar, desta vez a bordo. A história é a de um comandante de um navio a quem é confiado um último comando antes de se retirar. A sua missão é a assistência e vigilância à pesca de fundo na Terra Nova. Mas durante esta viagem, embarca também numa viagem de busca pessoal, através das recordações de um antigo comandante conhecido como Crabe-Tambour, que é uma figura lendária de grande influência em quem o conheceu.
Esta figura é baseada directamente no comandante Pierre Guillaume, também conhecido como Crabe-Tambour, oficial de marinha veterano da Guerra da Indochina e da Argélia, onde participou no chamado “Putsch dos Generais”, em 1961, pelo qual é condenado, para a seguir integrar a OAS.
Pierre Guillaume participa na rodagem do filme como conselheiro técnico e acaba por fazer também figuração.

Le Crabe-Tambour (1977)

Influência
A obra de Pierre Schoendoerffer teve uma influência directa não só numa nova forma de encarar cinematograficamente a guerra, mas em vários filmes bastante conhecidos. O mais famoso de todos é, sem dúvida, a obra-prima de Francis Ford Coppola, “Apocalypse Now”, de 1979, com argumento de John Milius, baseado no livro de Joseph Conrad, “Coração das Trevas”. Coppola filmou originalmente uma cena que ficou conhecida como a da “plantação francesa” e que só entraria na versão “Redux”, em 2001, mas que havia sido tornada conhecida através do documentário sobre a rodagem do filme, “Hearts of Darkness”, em 1991. Essa cena reproduz uma passagem exactamente igual a uma de “La 317ème section”, que é a metáfora do ovo. Perante a questão sobre o futuro daqueles territórios, as personagens partem um ovo com a mão, deixando escorrer a clara e dizendo: “o branco parte e o amarelo fica...” Milius era um grande admirador do romance de Schoendoerffer “Adeus ao Rei” e inspirou-se no livro para certos cenários de “Apocalypse Now” e, em 1989, realizou o filme homónimo baseado nessa obra. Também Oliver Stone se inspirou nos métodos usados por Schoendoerffer para rodar “Platoon”, em 1986.

Apocalypse Now (1979)

Hopper

A capital francesa teve o privilégio de receber uma magnífica exposição retrospectiva do pintor realista norte-americano Edward Hopper (1882-1962). Esteve patente nas Galerias Nacionais Grand Palais desde o dia 10 de Outubro do ano passado até ao dia 3 de Fevereiro deste ano, atingindo o impressionante número de cerca de 785 mil visitantes. Este é o relato de um apaixonado pela sua obra.


Nighthawks (1942)

Cheguei a Hopper na minha adolescência através do seu quadro mais conhecido, “Nighthawks”, de 1942. O enigmático ‘diner’ prendeu prontamente a minha atenção e curiosidade. Quem seriam aquelas “aves nocturnas”? O que as levaria ali? Havia uma atracção naquela solidão misteriosa à qual não resisti. Os anos passaram e fui conhecendo, a pouco e pouco, cada vez mais o trabalho de Hopper. Primeiro com a edição, a um preço convidativo, a ele dedicada, publicada pela Taschen, depois com a facilidade de acesso à informação gerada pela ‘internet’. No entanto, embora já apreciador, só vi pela primeira vez quadros dele expostos numa visita a Madrid, ao Museu Thyssen-Bornemisza, onde me deleitei especialmente com o estupendo “Hotel Room”, de 1931. Recentemente, uma das suas paisagens costeiras, “Square Rock, Ogunquit”, de 1914, esteve em Lisboa, na exposição “As Idades do Mar”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Hotel Room (1931)

A notícia da retrospectiva em Paris, ainda por cima com a vinda de “Nighthawks” à Europa – algo que os dedos de uma mão chegam para contar – fez reservar automaticamente uma viagem. Fui em finais de Novembro do ano passado, o tempo estava bastante frio e via-se já a feira de Natal nos Campos Elísios. Chegado à entrada do Grand Palais, fui informado por uma funcionária que o tempo médio de espera, na rua, era de uma hora e meia. Mas nada me podia demover do meu objectivo, nem mesmo a chuva ocasional que acabou por encharcar-me enquanto aguardava pacientemente.

Grand Palais, Paris.

O ambiente no museu era de grande movimento e o público lotava as primeiras salas da enorme exposição, principalmente aquelas onde estavam expostos os quadros que Hopper pintou em Paris, com paisagens locais, numa das poucas deslocações que fez ao estrangeiro, ainda jovem.

Confesso que descurei um pouco essa primeira parte e também as dedicadas à vida durante a Grande Depressão e ao trabalho de Hopper como ilustrador, algo que o próprio não gostava, mas que acabou por ser o seu ganha-pão durante uns tempos. Fui rapidamente ao encontro de “Nighthawks” e a experiência foi única. Não deixou de ser uma sensação estranha ver finalmente um dos meus quadros favoritos, que só conhecia através da imagem; agora, a coisa estava à minha frente. Mas nem este momento único me impediu de apreciar, durante quase um dia, intervalando apenas para almoçar, toda a maravilhosa reunião da obra de um dos pintores que mais aprecio.

Self Portrait (1925-30)

O trabalho de Hopper é completo. Não são apenas a solidão e o realismo que marcam a sua obra impressionante. Outro elemento muito importante é a luz, com os efeitos das sombras, mas também as cores. Para além das pinturas com elementos humanos, este é um artista magistral a representar paisagens, sejam naturais, sejam construídas. É quase como se atingíssemos nestes recortes da vida observada uma realidade mais que real. Esta exposição foi um daqueles momentos que se desejam durante uma vida. Felizmente, por vezes os desejos realizam-se!

A queda de um mito

 
O cônsul Aristides Sousa Mendes, a Verdade e a Mentira, de Embaixador Carlos Fernandes, edição Grupo de amigos do autor, Lisboa, 2013.